A simulação é um passo fundamental no processo de pedir um crédito habitação. Depois da euforia de procurar a casa ideal, quando já sonha com o dia em que se vai mudar de armas e bagagens, é tempo de descer à terra e fazer contas à vida. Afinal, quanto custa o seu sonho? Conseguirá suportar os encargos de um crédito habitação? Quando utiliza um simulador, a que informação deve estar atento para tomar a melhor decisão? E afinal de contas, no meio de tanto papel, para que serve a Ficha de Informação Normalizada Europeia (FINE) que se obtém quando se realiza uma simulação de crédito habitação?
Novas simulações com FINE: muito mais do que papel
Olhar para a FINE como “aqueles papéis chatos que vêm com as simulações” é um erro. A FINE existe para salvaguardar os direitos de quem pretende contratar um crédito habitação, fornecendo a informação necessária para que os clientes possam tomar uma decisão consciente e não terem arrependimentos no futuro.
Perante a intensa procura que se tem registado em termos de crédito habitação, o Banco de Portugal emitiu algumas orientações que visam proteger os princípios do crédito responsável, evitando que no processo de contratação de crédito habitação se originem decisões precipitadas por parte dos clientes. Assim, a anterior Ficha de Informação Normalizada (FIN) deu lugar à Ficha de Informação Normalizada Europeia (FINE), um modelo que é transversal aos países da União Europeia, de acordo com a Diretiva n.º 2014/17/EU. Ao permitir que um cidadão europeu consiga ler uma FINE de qualquer outro país da União Europeia assegura-se assim também uma maior eficácia e transparência da comunicação com todos os clientes e investidores estrangeiros.
A FINE, segundo o definido no Decreto-Lei 74-A/2017, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2018 e passou a ser entregue ao consumidor em dois momentos: quando é feita uma simulação e no momento da aprovação do contrato de crédito. A versão que acompanha a simulação tem por base as informações disponibilizadas pelo cliente, sendo portanto indicativa. A FINE que acompanha o contrato de crédito já apresenta as características finais do crédito aprovado, e é por isso de leitura indispensável.
A importância da FINE está relacionada com o propósito de apresentar informação completa e transparente sobre o crédito que está a ser solicitado, fazendo-o de forma uniformizada, para que seja mais fácil ao cliente comparar as propostas de diferentes bancos e tomar uma decisão informada. É que, ao contrário do que muitas vezes se pensa, não basta apenas olhar para o spread.
O que muda com a FINE?
A informação disponibilizada na FINE está organizada em duas grandes áreas: a Parte A, que contém as condições gerais; e a Parte B, onde são apresentadas as condições específicas do crédito.
Ao analisar a Parte A, entre outras informações, pode verificar as principais características do empréstimo como o montante, o prazo, o tipo de empréstimo, o tipo de taxa de juro e o valor presumido do imóvel. Na secção “Principais características do empréstimo” vai também encontrar uma das alterações mais significativas introduzidas pela FINE, a apresentação do Montante Total a Imputar ao Consumidor (MTIC), que reflete o custo total do empréstimo para o cliente com o impacto dos juros e dos custos associados ao crédito habitação. Com este valor fica assim com uma imagem mais realista do encargo total que está a assumir, que é reforçado com a indicação do valor que vai pagar por cada euro que pediu emprestado.
E se a tradição estabelece que muitas vezes o essencial está em letras pequenas, esse não é o caso na FINE, em que os alertas são feitos em letra grande e a negrito, para que a informação essencial não passe despercebida. São esses alertas que o avisam se optou por uma taxa variável que pode alterar ao longo dos anos, se o valor do MTIC pode variar de acordo com a opção de taxa de juro, e até qual foi o valor máximo da taxa variável (Euribor) nos últimos 20 anos (reforçando a ideia que as taxas variáveis podem alterar ao longo dos anos para valores diferentes dos atuais, com impacto na prestação). Tudo isto para que lhe seja mais fácil fazer contas. Portanto um bom conselho para quando analisar uma FINE é: leia a informação em destaque com particular atenção. Se o texto está maior e em negrito é por alguma razão.
A secção “Taxa de juro e outros custos” é outra a que também deve dedicar o seu tempo e ler de fio a pavio. É aqui que encontra descriminados os custos, as comissões, as despesas e os seguros associados ao crédito habitação, que se dividem entre aqueles custos que vai pagar uma única vez e os custos que vai pagar periodicamente. Encontra também nesta parte a TAEG (taxa anual de encargos efetiva global), que já era aplicada aos créditos pessoais e desde o início do ano é também aplicada ao crédito habitação, vindo substituir a TAER. Esta taxa é uma das formas de comparar os encargos que vai ter com o crédito habitação. Pensar que a proposta que tem um spread mais baixo é a melhor pode ser um engano, porque o spread só contempla a margem que é cobrada pela instituição de crédito para conceder o empréstimo, não tendo em conta os restantes custos. Por sua vez, a TAEG contempla esses custos, sejam eles comissões (comissão de abertura, comissão de formalização, comissão de avaliação, comissão de processamento da prestação, por exemplo), despesas (Imposto de Selo sobre o mútuo, despesas com registos ou serviço Casa Pronta, honorários do serviço de solicitadoria) ou seguros (o seguro multirriscos do imóvel, que é obrigatório por lei, e frequentemente também o seguro de vida). Ao olhar para a TAEG de diferentes propostas (desde que o montante de empréstimo e prazo sejam idênticos) está assim a comparar o que é comparável, incluindo aqueles custos com outros produtos associados que algumas instituições de crédito propõem para obter um spread mais baixo.
Nas restantes secções da Parte A da FINE poderá ainda encontrar, entre outros dados, informação do montante e periodicidade das prestações, das modalidades de reembolso antecipado do empréstimo e de outras características do empréstimo. Nos empréstimos com taxa de juro fixa, ainda nesta Parte A, poderá consultar o quadro de reembolso do empréstimo, uma tabela que corresponde ao plano de amortização do financiamento ao longo dos anos. Neste quadro pode ver o peso que os diferentes componentes, nomeadamente juros e capital, possuem no valor da prestação - aplicando-se o modelo de amortização francês, em que à medida que os anos passam o peso da amortização aumenta e o dos juros diminui -, assim como os impostos e outros custos, que englobam, por exemplo, os seguros. Em cada coluna da secção “Quadro de reembolso indicativo” encontrará assim o valor a pagar mensalmente, para que nenhum custo lhe escape quando tomar uma decisão. No entanto, se a simulação for realizada com a opção de taxa de juro variável ou taxa de juro mista (ou seja, opções em que existe um período de taxa variável, indexado à Euribor) o quadro de amortização do empréstimo já deverá aparecer na Parte B da FINE.
Passando então à Parte B, a “Informação adicional à FINE”, aqui encontra informação adicional tal como as vendas associadas facultativas, os custos com impostos como o IMT (Imposto Municipal sobre a Transmissão) e o Imposto de Selo da Compra e Venda e a documentação necessária para a análise do pedido de crédito habitação. Se a simulação for realizada com taxa de juro variável ou taxa mista aparecerão também nesta área, conforme referido anteriormente, os quadros de amortização do empréstimo: o primeiro (“Quadro de reembolso do empréstimo”) que diz respeito ao reembolso do empréstimo com a aplicação da taxa de juro contratada, e um segundo (“Quadro de reembolso com aumento da TAN”) em que é mostrado o impacto se o indexante atingisse o valor mais elevado dos últimos 20 anos.
Se a proposta do banco incluir a contratação de outros produtos para reduzir o spread essa informação constará tanto na Parte A como na Parte B da FINE. Na Parte A constará na secção “Obrigações Adicionais”, que poderá incluir a indicação da obrigação da abrir e manter uma conta com a entidade bancária que concede o crédito, assim como vendas associadas facultativas, deixando claro que, apesar de essas vendas associadas não serem obrigatórias, são indispensáveis para manter as condições de crédito contratadas. O mesmo alerta é feito na Parte B, na secção “Vendas associadas facultativas”, o que reforça a importância de não olhar apenas para o spread, estando consciente dos compromissos extra que está a assumir. No caso de entidades de crédito que não praticam vendas associadas é muito mais fácil: o spread apresentado não sofrerá alterações, pelo que não tem de estar preso a outros encargos.
O momento da verdade
Para tomar uma boa decisão é preciso reflexão. Mas antecipando a eventualidade de algumas pessoas, apesar dos avisos, quererem apressar o processo sem pensar muito, uma das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 74-A/2017 foi a obrigatoriedade de um período mínimo de reflexão de 7 dias, contado a partir do momento em que a instituição de crédito apresenta a proposta. Só após esse período pode tomar uma decisão, portanto tire o melhor partido do tempo que tem, tentando perceber o que significam todos os novos conceitos de crédito habitação de que lhe foram falando quando solicitou propostas de crédito habitação e lendo a FINE com atenção.
Invista o seu tempo, informe-se e tome uma decisão adequada à sua realidade. Feito este esforço inicial, depois vem a parte boa: mudar-se para a sua nova casa com a segurança de ter ponderado de forma realista o impacto que a contratação do crédito terá na sua vida.